uando os Estados Unidos espirram, o mundo fica resfriado e o Brasil pega uma pneumonia”. Esse ditado do mercado financeiro internacional, que posteriormente foi adaptado à nossa realidade, perdurou por muito tempo para expressar o grau de dependência da economia global à americana e denotar a nossa vulnerabilidade externa. O mundo está em constante mudança e, ironicamente, o primeiro espirro que provocou uma pandemia econômica global não surgiu nos EUA, mas no seu maior concorrente para se tornar a locomotiva do mundo, a China.

Felizmente, o maior dinamismo dos Brics tornou a economia mundial menos dependente do crescimento da economia americana e o Brasil se tornou credor externo líquido, ou seja, nossos ativos em moeda estrangeira superam nossa dívida externa.

Acreditem, caso não tivéssemos reservas internacionais substanciais (US$ 362,5 bilhões), teríamos uma alta ainda mais expressiva do dólar. O fato é que os EUA continuam sendo extremamente importantes para ditar o ritmo da economia global e brasileira, até porque são o 2º principal destino das nossas exportações, perdendo apenas para a China.

Acontece que a covid-19 não provocou apenas uma gripe no mercado de trabalho americano. Os pedidos de seguro-desemprego, excluídos os fatores sazonais, saltaram de 282 mil na semana que terminou no dia 14 de março para 3,3 milhões na semana seguinte, recorde histórico. Este último resultado de março foi 5 vezes superior aos valores registrados na crise do subprime (665 mil pedidos). Março é considerado um período festivo para os americanos por conta dos jogos de basquete universitário, consagrado no termo March Madness. Depois desses indicadores trágicos, os americanos podem querer rebatizar essa expressão para uma definição sem qualquer sentido comemorativo.

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Tive o prazer de ser um dos autores da Medida Provisória nº 763, de 2016, que permitiu novas modalidades de saque e, principalmente, proporcionou a distribuição dos lucros do fundo para os seus cotistas, aumentando a rentabilidade das contas dos trabalhadores, que sempre foi abaixo da poupança (um grande absurdo!).

Sempre defendi que os recursos deveriam ser administrados diretamente pelos trabalhadores. Ora, se os beneficiários do Bolsa Família que são hipossuficientes podem fazê-lo, por que os trabalhadores formais que são hipersuficientes precisam ser tutelados pelo Estado? Logicamente, as maiores dificuldades sempre foram a perda de funding mais barato para a construção civil para fazer frente ao nosso déficit habitacional (política meritória) e a perda de arrecadação da Caixa (preocupação igualmente importante). É necessário pensarmos em uma regra de transição longa que observe essas duas variáveis, mas é imperioso aumentar as possibilidades de saque nesse momento.

Voltando ao paralelo com os EUA, podemos utilizar o Fundo de Investimento (FI-FGTS) para financiar a folha de pagamento das microempresas (ainda não foram contempladas nas medidas do governo), modelo semelhante ao anunciado pelo nosso Banco Central brasileiro, com inspiração no FED. Passada a crise, precisamos pensar na transformação do FGTS em um fundo de pensão privado similar ao modelo do 401k americano. Essa proposta já foi elaborada no Brasil pelo professor Hélio Zylberstajn e precisa ser rediscutida no seu devido momento.

Essa crise evidencia a baixa poupança da nossa sociedade. Logo, precisamos fomentar iniciativas para que os trabalhadores disponham de instrumentos financeiros para fazer frente aos cenários de adversidade, sem depender tanto do Estado, que pode fazer muito, mas não tudo. Até que consigamos voltar para esse debate mais estruturante, temos de permitir os saques das contas vinculadas dos trabalhadores ativos e inativos. Ou seja, o FGTS pode ser uma ponte para termos um mês de abril menos traumático (April Madness).