Por Pedro Stropasolas / Brasil de Fato

No Brasil, o número de pessoas resgatadas do trabalho escravo doméstico aumentou 1.350% em cinco anos.  É o que apontam as informações divulgadas nesta quinta (27) pelo Ministério do Trabalho e Previdência.

Segundo dados da Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), em 2017 e 2018, foram dois resgates de escravizados no setor doméstico. Em 2019, o número saltou para quatro. Em 2020, diminuiu para três. E no ano passado, o segundo da pandemia, os resgates chegaram a 27 trabalhadoras.

O aumento exponencial, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, é explicado pelo aumento de fiscalizações no setor em 2021 e pela organização da categoria das empregadas domésticas ao longo da última década.

Nas áreas urbanas, que somaram 210 pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2021, o trabalho escravo doméstico foi uma das modalidades mais identificadas pela Detrae. E os primeiros resgates neste setor iniciaram somente em 2017.

Luiza Batista, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), considera que com a pandemia e as ações do Governo Federal, a vulnerabilidade dessas trabalhadoras ficou ainda mais exposta.

“O número ainda é bem insignificante com o que realmente acontece no pais”, aponta Luiza.

Ela afirma que os resgates de trabalhadoras nos ambientes domésticos ainda esbarram na dificuldade de se fiscalizar.

“Um trabalhador de outra categoria, quando o sindicato recebe a denúncia, pode ir até a empresa averiguar e checar essa denúncia. No nosso caso é toda uma burocracia. Para a lei, a residência é inviolável. Só se pode entrar com a autorização do dono da residência. Isso dificulta a fiscalização. Até mesmo o MPT e os auditores têm dificuldades”, completa Batista.

Ao todo, o Brasil fechou 2021 com 1.937 pessoas resgatadas da escravidão contemporânea,  o maior número desde 2013. O número também é 106% maior que o de 2020.

No Brasil, 1 em cada 4 domésticas perderam o emprego na pandemia

A liderança da categoria afirma que os patrões desrespeitam a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do tema.

“Muitas trabalhadoras vêm do interior, são menores de idade. As meninas vem com a promessa de que vão trabalhar e estudar. Mas depois não é nada disso. O estudo não existe, e o pagamento fica só na promessa”, explica Batista.

Segundo a OIT, 26,6% das trabalhadoras domésticas no Brasil perderam seus empregos nos seis primeiros meses de 2020. E para quem permaneceu trabalhando, os salários reduziram 34% no mesmo período.

Batista questiona a falta de transparência na divulgação dos dados por parte do governo. Para ela, todas as informações sobre as pessoas resgatadas em situação de escravidão doméstica deveriam ser repassadas à FENATRAD. “A gente precisa ter esses dados”, completa.

A doméstica destaca casos emblemáticos, como o de Madalena Gordiano, resgatada em outubro de 2020, que viveu 38 anos em condições análogas à escravidão no município de Alto Paranaíba (MG).

Luiza Batista é presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad)

Foto: Fenatrad

Aumento das fiscalizações

O caso de Madalena foi o que impulsionou a atuação dos auditores fiscais. Em 2021, a Inspeção do Trabalho realizou 49 ações fiscais em ambientes domésticos para identificar casos de escravidão contemporânea.

Para o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), o auditor-fiscal do trabalho Maurício Krepsky, o combate às condições análogas a escravidão em 2021 foi desafiador, e a continuidade, depende da proteção dos auditores fiscais.

 “Medidas de prevenção para a atuação da Inspeção do Trabalho precisaram continuar sendo seguidas rigorosamente, tendo em vista o cuidado com a saúde dos integrantes da operação e com os trabalhadores dos estabelecimentos fiscalizados”, aponta Krepsky.

PEC das Domésticas

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 6,2 milhões de brasileiros que se dedicam a serviços domésticos, apenas 28% têm carteira assinada e direitos trabalhistas assegurados. Em toda a categoria, 92% são mulheres, e, entre elas, 68% são negras.

Em 2 de abril de 2013, a PEC das Domésticas estabeleceu a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, o que garantiu proteções trabalhistas como carteira assinada e férias remuneradas.

Então deputado, o presidente Jair Bolsonaro foi um dos únicos parlamentares a votar contra a PEC — e hoje sua política tem ameaçado os direitos garantidos à categoria.

“Espero que a gente possa ter uma mudança. Estamos em um momento que não existe diálogo. O governo mete e caneta e faz o que quer”, finaliza Luiza Batista.